Brasília – O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, afirmou ao jornal britânico Financial Times que a ameaça do governo Donald Trump de aplicar tarifa de 50% sobre produtos brasileiros não encontra paralelo histórico. “Nem a União Soviética teria feito algo assim”, declarou, classificando a medida como tentativa de interferir na política interna em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A sobretaxa foi anunciada por Trump em 9 de julho e está prevista para entrar em vigor em 1º de agosto. O republicano alega que o Judiciário brasileiro conduz uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro, acusado de articular golpe de Estado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu chamando a iniciativa de “chantagem inaceitável”.
Na entrevista, Amorim reforçou a intenção de aprofundar a participação do Brasil no Brics — bloco formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul — apesar das pressões de Washington. Trump já impôs um adicional de 10% a países que, segundo ele, se alinham ao grupo, considerado “anti-EUA”.
“O que está acontecendo só fortalece nossos laços com os Brics; queremos diversificar relações e não depender de um único país”, disse o ex-chanceler, acrescentando que o governo pretende também estreitar vínculos com Europa, Ásia e América do Sul.
A China segue como principal parceiro comercial do Brasil, responsável por importações de US$ 94 bilhões em 2024, sobretudo de produtos agrícolas e minerais. Amorim negou, porém, que Pequim seja a maior beneficiária das barreiras impostas por Trump.
O assessor rejeitou caráter ideológico no Brics e defendeu o bloco como instrumento de apoio à ordem multilateral, em contraste com o que chamou de postura “unilateral e isolacionista” dos EUA sob Trump.
Amorim cobrou rápida ratificação do acordo Mercosul–União Europeia, destacando ganhos econômicos e maior equilíbrio nas relações globais. Revelou ainda interesse do Canadá em negociar tratado de livre-comércio e afirmou que o último ano do mandato de Lula priorizará a integração sul-americana, região que, segundo ele, apresenta o menor volume de comércio intrarregional do mundo.
Imagem: Lula via redir.folha.com.br
Para Amorim, Trump é um caso atípico na diplomacia. “Países não têm amigos, têm interesses; mas Trump não tem nem amigos nem interesses, só desejos”, afirmou, chamando a postura do ex-presidente de “ilustração do poder absoluto”.
No governo brasileiro, a entrada em vigor da tarifa de 50% é considerada praticamente inevitável. Lula declarou, em 25 de julho, que Trump foi levado a acreditar “em uma mentira” sobre perseguição a Bolsonaro e se disse disposto a negociar, delegando a missão ao vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin.
Durante evento com investidores em São Paulo, os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO) e Ratinho Jr. (PR) criticaram a condução federal. Ratinho Jr. classificou de “falta de inteligência” o discurso de Lula sobre desdolarização do comércio e ressaltou que Bolsonaro “não é mais importante que a relação comercial entre Estados Unidos e Brasil”. Nenhum dos três mencionou a exigência de Trump envolvendo o ex-mandatário.
Com o prazo se aproximando, autoridades brasileiras reclamam da ausência de canais diretos com a Casa Branca para discutir a medida.
Com informações de Folha de S.Paulo