O Nepal vive uma rápida virada rumo à mobilidade elétrica. No período de julho de 2024 a junho de 2025, carros elétricos representaram 76% das vendas de veículos de passeio e 50% das vendas de utilitários leves no país, índice ultrapassado apenas por nações como Noruega, Singapura e Etiópia. Cinco anos atrás, a participação era praticamente nula; a média global em 2024 ficou em 20%.
O avanço resulta de uma combinação de hidrelétricas abundantes, redução de impostos e expansão da infraestrutura de recarga. Desde 2021, o governo limitou a soma de tarifa alfandegária e imposto de consumo dos elétricos a 40%. Para carros a gasolina, a alíquota chega a 180%. Assim, um utilitário esportivo Hyundai elétrico custa hoje menos de US$ 38 mil, enquanto a versão a combustão sai por cerca de US$ 40 mil.
A Autoridade de Eletricidade do Nepal instalou 62 pontos de recarga em Katmandu e em rodovias, doou transformadores – o item mais caro da estrutura – e assegurou tarifas de energia abaixo do preço de mercado. Abastecer um carro a gasolina no país chega a ficar 15 vezes mais caro que recarregar um elétrico. Hotéis, restaurantes e pequenos empreendedores instalaram outros 1.200 carregadores, além de milhares de unidades domésticas.
Fabricantes chineses dominam as vitrines nepalesas, aproveitando o incentivo para entrar em mercados estrangeiros. A empresária Yamuna Shrestha, distribuidora da BYD no país, abriu 18 concessionárias e projeta vender 4.000 veículos em 2025. A concorrência inclui dezenas de marcas chinesas cujos modelos, segundo revendedores locais, custam até metade do preço de modelos equivalentes da Tesla.
“Usar veículos elétricos é nossa vantagem comparativa”, afirma Mahesh Bhattarai, diretor-geral do Departamento de Alfândega. Rob de Jong, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, destaca que a experiência nepalesa pode servir de modelo a outros países de baixa e média renda.
Analistas do Banco Asiático de Desenvolvimento, principal financiador de barragens, linhas de transmissão e rede de recarga, alertam para o risco de retrocessos caso os incentivos sejam removidos de forma abrupta. Em 2025, o banco central dobrou a entrada exigida para aquisição de elétricos, e o governo elevou gradualmente tarifas de importação, preocupado com a queda na arrecadação sobre veículos a combustão.
O setor também não dispõe de plano oficial para coleta e reciclagem de baterias. Revendedores pedem a criação de um órgão que ateste a qualidade dos carros importados, temendo que defeitos em marcas menores prejudiquem a credibilidade do segmento.
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O ex-policial Jit Bahadur Shahi investiu US$ 33 mil em um micro-ônibus elétrico, com o qual percorre sete horas entre Katmandu e Janakpur. Ele calcula que dez viagens de ida e volta cobrem a parcela mensal do financiamento e projeta quitar o veículo em quatro anos, mas reclama da escassez de carregadores ao longo do trajeto e dos custos futuros de manutenção.
A maior parte dos 3 milhões de moradores do Vale de Katmandu se locomove de motocicleta ou ônibus a diesel. Para reduzir a poluição, autoridades locais pretendem eletrificar o transporte coletivo. A empresa semipública Sajha Yatayat opera 41 ônibus elétricos adquiridos com ajuda federal de US$ 22 milhões, mas estima precisar de 800 veículos para atender toda a rede com frequência adequada.
O governo chinês ofereceu doar 100 ônibus de 12 metros. Kanak Mani Dixit, ex-presidente da companhia, vê a iniciativa como parte de um longo histórico de auxílio externo ao país. “O vale de Katmandu está apenas esperando que alguém gire a chave”, afirma. Caso os veículos cheguem e a malha seja ampliada, autoridades locais projetam mudanças significativas na mobilidade em até cinco anos.
Com informações de Folha de S.Paulo