Em artigo publicado em julho de 2025, a economista-chefe do Santander Brasil, Ana Paula Vescovi, examinou o comportamento recente do dólar e apontou que, apesar da desvalorização registrada nos últimos meses, a divisa norte-americana permanece em patamares historicamente elevados.
Segundo Vescovi, a hegemonia cambial dos Estados Unidos segue firme. O dólar responde por aproximadamente 50% das transações financeiras e comerciais internacionais realizadas via Swift, 88% das operações nos mercados de câmbio e 58% das reservas detidas por bancos centrais.
A economista lembra que a escalada de juros promovida pelo Federal Reserve em 2022 — a mais agressiva desde a década de 1980 — elevou o diferencial de taxas em relação a outras economias desenvolvidas, como a zona do euro e o Japão. Esse movimento atraiu capitais para ativos americanos e fortaleceu a moeda.
Conflitos como a guerra na Ucrânia, lockdowns na China e a crise energética europeia impulsionaram o flight to quality, fluxo que favorece divisas de reserva, entre elas o dólar. Países emergentes, como o Brasil, sentiram pressão direta sobre suas taxas de câmbio.
A analista cita déficits gêmeos nos EUA — em transações correntes e contas públicas —, sanções contra ativos russos e a elevação de tarifas de importação como fatores que podem corroer a força da moeda americana. Apesar disso, estudiosos como Paul Blustein (“King Dollar”) e Kenneth Rogoff (“Our Dollar, Your Problem”) defendem que a liderança do dólar se apoia em pilares concretos: profundidade de mercado, estrutura jurídica confiável e ausência de concorrentes robustos.
O euro carece de integração fiscal, o yuan enfrenta controle de capitais e as moedas digitais ainda ocupam espaço marginal, observa Vescovi.
Com o tripé metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, o Brasil convive com volatilidade cambial. Entre 2003 e 2011, o Banco Central elevou reservas internacionais de menos de US$ 20 bilhões para mais de US$ 350 bilhões, estratégia que, segundo a economista, ajudou a blindar a economia, mas não eliminou a influência de decisões do Fed.
Imagem: redir.folha.com.br
Exemplos incluem o taper tantrum de 2013, quando a sinalização de redução de estímulos nos EUA provocou fortes oscilações no real. Tentativas de fixar a taxa de câmbio, destaca Vescovi, historicamente resultaram em crises, como a asiática de 1997 e a desvalorização brasileira de 1999.
Pesquisas de Gita Gopinath sobre o “paradigma da moeda dominante” mostram que o dólar lidera não apenas reservas e finanças, mas também a precificação global de bens e serviços, mesmo em transações sem participação dos EUA.
Vescovi ressalta que a transição para um sistema multipolar, com maior espaço para euro, yuan ou ativos digitais, tende a ser lenta e sujeita a volatilidade. Enquanto isso, defende, o Brasil precisa fortalecer fundamentos fiscais, aprimorar o ambiente regulatório e aprofundar o mercado de capitais para reduzir a exposição à moeda norte-americana.
Até que mudanças estruturais se consolidem, conclui a economista, o dólar continuará a ocupar o centro do sistema financeiro internacional.
Com informações de Folha de S.Paulo