O avanço da inteligência artificial está prestes a transformar os data centers em um dos maiores consumidores de eletricidade do país. Projeção do Ministério de Minas e Energia indica que, até 2038, a potência solicitada por empresas interessadas em operar no Brasil alcançará 17.716 MW, volume semelhante ao consumo de uma cidade com 43 milhões de habitantes.
Hoje funcionam no território nacional 162 data centers, segundo a Associação Brasileira de Data Centers. Juntos, concentram entre 750 MW e 800 MW de capacidade instalada — montante comparável ao gasto energético de um município de dois milhões de moradores, de acordo com cálculos da Empresa de Pesquisa Energética.
A popularização de sistemas como ChatGPT, Gemini e Claude deve elevar essa demanda em mais de 20 vezes na próxima década. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou o segmento esta semana como potencial parceiro dos Estados Unidos numa negociação que envolve tarifas de importação, ressaltando a disponibilidade de energia brasileira para sustentar os centros de processamento.
Entre os pedidos já autorizados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico está um empreendimento de 300 MW a ser erguido na região do porto do Pecém, no Ceará. Orçado em R$ 50 bilhões e conduzido pela Casa dos Ventos, o complexo está previsto para iniciar obras no segundo semestre de 2025 e entrar em operação em 2027. A instalação desperta interesse de grandes empresas de tecnologia, como a chinesa ByteDance, controladora do TikTok, que não comentou o tema.
Segundo a desenvolvedora, o data center contará com fornecimento exclusivo de energia eólica e solar e utilizará sistema de refrigeração em ciclo fechado, que consome menos água do que torres de resfriamento evaporativas.
Especialistas afirmam que informações detalhadas sobre gasto de eletricidade e água ainda são escassas. O economista Alex de Vries, criador do Digiconomist e pesquisador da Vrije Universiteit Amsterdam, calcula o consumo global de IA com base na venda de chips da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company. Pelas estimativas, a IA já utiliza volume de energia semelhante ao da Holanda e deve dobrar esse total em 2025.
“As empresas conhecem exatamente o quanto suas aplicações consomem, mas optam por não divulgar”, aponta De Vries, que defende maior transparência para avaliar custos e benefícios da tecnologia.
Imagem: redir.folha.com.br
O debate sobre uso de recursos hídricos ganhou força depois que pesquisadores da Universidade da Califórnia, Riverside, estimaram que a produção de um e-mail de 100 palavras pelo ChatGPT poderia demandar cerca de 519 ml de água. O volume varia conforme o método de resfriamento e a região onde se localiza o data center, indo de 235 ml no Texas a 1.468 ml em Washington, segundo reportagem do Washington Post publicada em setembro de 2024.
Para Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), o número não é aplicável de forma geral, já que as instalações brasileiras costumam operar em escala diferente das grandes companhias norte-americanas.
Embora poluam menos do que combustíveis fósseis, parques eólicos e solares também geram efeitos locais. Pesquisas da professora Adryane Gorayeb, da Universidade Federal do Ceará, registram casos de barulho excessivo, alterações em lagoas costeiras e restrição de acesso de comunidades a suas áreas tradicionais. No segmento solar, há relatos de grande necessidade de água para limpeza de painéis e uso de agrotóxicos para conter vegetação.
A recém-aprovada lei de fomento à IA em Goiás prevê o uso de biometano para alimentar data centers. O Estado pretende instalar oito supercomputadores equipados com os novos chips Nvidia Blackwell B200 no Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás, que planeja cerca de 70 projetos de pesquisa. A estimativa de consumo elétrico dessa estrutura ainda não foi divulgada.
Enquanto a demanda cresce rapidamente, especialistas alertam que compreender o real impacto ambiental dos data centers — e buscar tecnologias de menor consumo — tornou-se urgente.