A recente decisão da União Europeia e dos Estados Unidos de firmar um “acordo político” não vinculativo, anunciada há uma semana, marcou a consolidação de um novo patamar para as tarifas norte-americanas. Segundo o colunista econômico Martin Sandbu, do Financial Times, o governo dos EUA passou a cobrar entre 15% e 30% sobre a maior parte das importações, nível muito superior ao praticado nas últimas décadas.
Sandbu aponta que, com o entendimento costurado por Bruxelas e Washington, o presidente norte-americano, Donald Trump, obteve o cenário que desejava: tarifas elevadas e poucas concessões formais em troca. Para a União Europeia, o resultado foi a perda do papel de defensora de uma ordem comercial baseada em regras, ainda que o bloco espere ganhar alguma estabilidade no curto prazo.
O colunista projeta queda no volume total de trocas, sobretudo envolvendo os EUA. As alíquotas mais altas tendem a encarecer produtos, remodelar cadeias de suprimentos e reduzir a corrente de comércio. Países e blocos afetados podem, entretanto, reforçar a integração entre si para compensar a menor participação norte-americana.
Atualmente, União Europeia, China, Japão e exportadores de commodities registram superávits, enquanto EUA, Canadá e Reino Unido acumulam déficits. Se Washington conseguir diminuir ou zerar seu saldo negativo, outras economias terão de ajustar seus resultados, pois os números globais precisam se equilibrar. O economista Michael Pettis avalia que a China, com maior intervenção estatal, dispõe de mais instrumentos para forçar parceiros a se adaptar, possibilidade que preocupa autoridades europeias.
Para Sandbu, tanto UE quanto China teriam interesse em reduzir seus superávits. No caso europeu, isso significaria redirecionar cerca de 3% do PIB — hoje excedente de exportações — para investimentos internos, o que poderia afetar a indústria automobilística alemã. Nos EUA, a eliminação do déficit implicaria menor volume de investimentos privados domésticos, enquanto empresas europeias investiriam mais.
Na China, o reequilíbrio passaria por maior consumo das famílias, medida que elevaria o bem-estar, mas exigiria concessões das elites políticas. Ao mesmo tempo, Pequim vem ampliando subsídios a setores de tecnologia verde para sustentar a demanda após o recuo do mercado imobiliário. O resultado tem sido compressão de margens e queda de produtividade, apesar da expansão da capacidade instalada.
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Para o analista, remanejar esses incentivos para estimular o consumo doméstico poderia beneficiar a população chinesa e, indiretamente, reduzir tensões macroeconômicas globais.
Sandbu conclui que, se o atual regime tarifário norte-americano persistir, questões como retração do comércio, redistribuição de superávits, reestruturação econômica interna e futuro da indústria chinesa estarão no centro do debate internacional.
Com informações de Folha de S.Paulo