Pelo menos 204 funcionários do Executivo federal perderam o cargo por desídia — falta de zelo e desinteresse pelo trabalho — entre 2017 e 2024, de acordo com o cadastro de expulsões da Controladoria-Geral da União (CGU).
O total corresponde a cerca de 5% das 4.152 demissões registradas no período e representa menos de 0,01% do universo de servidores públicos da União.
O pico de desligamentos por desídia ocorreu em 2022, quando 41 servidores foram dispensados. Nos anos seguintes, o número ficou abaixo de 20 casos anuais.
O Estatuto do Servidor prevê a demissão por desídia ao lado de outras faltas graves, como abandono de cargo, improbidade administrativa e uso da função para benefício próprio. No entanto, especialistas afirmam que a negligência é mais difícil de caracterizar, pois depende de avaliação de desempenho — ferramenta ainda pouco disseminada na administração pública.
Cibele Franzese, professora de administração pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a conduta é classificada como mau comportamento reiterado, “com atrasos frequentes e descumprimento de ordens hierárquicas”. Segundo ela, a ausência de metas e indicadores definidos torna o processo de identificação mais complexo.
Em 2020, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a demissão por desídia só é válida quando o comportamento inadequado se repete. O caso julgado envolveu um servidor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que acabou reintegrado após a corte considerar a punição excessiva para uma primeira ocorrência.
Imagem: servidores no setor público via redir.folha.com.br
Renata Vilhena, professora da Fundação Dom Cabral (FDC) e presidente do conselho do Instituto República.org, afirma que a penalidade extrema deve ser aplicada apenas em situações de má conduta persistente e respaldada por provas concretas. Ela avalia que a falta de um sistema estruturado de avaliação gera insegurança jurídica e margem para decisões subjetivas.
Atualmente, o Programa de Gestão e Desempenho (PGD), baseado em metas e entregas, cobre aproximadamente um terço dos servidores do Executivo federal. Para Cibele Franzese, a recente proposta de reforma administrativa enviada à Câmara em outubro poderia ter tratado de forma mais detalhada a possibilidade de demissão por desempenho insuficiente, já prevista na Constituição mas ainda sem regulamentação específica.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos foi procurado, mas não se manifestou até a publicação desta matéria.