As tarifas de 50% sobre produtos brasileiros anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vêm fortalecendo a influência de grandes empresas de tecnologia norte-americanas nos debates sobre novas regras para o setor no Brasil. Enquanto a sobretaxa ainda não conseguiu libertar o ex-presidente Jair Bolsonaro da prisão domiciliar, ela abriu espaço para que companhias como Google, Meta e X intensifiquem reuniões com autoridades brasileiras e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A ofensiva norte-americana ocorre no momento em que o governo brasileiro e o STF discutem propostas de regulação de discurso online, responsabilidade das plataformas e inteligência artificial. Segundo fontes envolvidas nas conversas, pelo menos duas big techs se reuniram reservadamente com ministros do STF após 9 de julho, data em que Trump ameaçou adotar novas medidas punitivas contra o Brasil. Esses encontros não constam na agenda pública do tribunal.
No dia anterior à aplicação efetiva das tarifas, executivos de Google e Meta participaram de reunião oficial com o vice-presidente Geraldo Alckmin. O secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, entrou na videoconferência, que tratou tanto das tarifas quanto das preocupações das empresas com o ambiente regulatório brasileiro.
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Em 2024, o intercâmbio bilateral somou cerca de US$ 92 bilhões, com superávit de US$ 7,4 bilhões para os norte-americanos. A Casa Branca sustenta que a legislação brasileira restringe a liberdade de expressão de usuários conservadores e prejudica companhias sediadas nos EUA.
Inicialmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva qualificou a medida como “chantagem” e prometeu endurecer a taxação sobre as plataformas digitais. Com as negociações travadas e os efeitos da tarifa começando a aparecer, Alckmin sinalizou, na semana passada, disposição para discutir mudanças na regulação a fim de buscar uma solução para o impasse tarifário.
O STF, liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, adotou algumas das ações mais duras do mundo contra a desinformação, bloqueando perfis e até suspendendo a rede X (antigo Twitter) após a recusa de Elon Musk em cumprir ordens judiciais. Em junho, o tribunal decidiu que plataformas podem ser responsabilizadas por conteúdos que violem leis brasileiras, incluindo discurso de ódio e ataques à democracia. A Corte agora avalia quando e como a decisão será implementada.
Paralelamente, projetos de lei que obrigam as empresas a monitorar e remover conteúdos falsos ou ilegais enfrentam resistência da oposição no Congresso. Diante desse vácuo legislativo, Moraes tem atuado como principal freio contra campanhas de desinformação ligadas a Bolsonaro, que alega, sem provas, fraude na eleição de 2022.
Trump tenta usar o peso econômico para pressionar o STF a arquivar o processo no qual Bolsonaro responde por suposta tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. O Brasil argumenta que a questão judicial é interna e, até agora, ignora a pressão externa. Além das tarifas, Moraes foi alvo de sanções individuais previstas na Lei Magnitsky, mecanismo adotado por Washington contra violações de direitos humanos.
Imagem: Lula via redir.folha.com.br
Para as empresas de tecnologia, no entanto, o momento abre oportunidade de moldar futuras regras num mercado de 212 milhões de habitantes — um dos mais conectados do planeta. Após o encontro com as big techs, o governo brasileiro propôs criar um grupo de trabalho sobre regulamentação, inovação e investimentos, citando data centers como possível área de parceria bilateral.
Setores que defendem o endurecimento contra desinformação temem que Brasília recue para aliviar a tensão comercial. Já especialistas em direito digital alertam que o país pode ficar “isolado” se mantiver critérios considerados vagos ou excessivamente onerosos pelas plataformas.
O professor da Universidade Georgetown, Anupam Chander, vê a negociação brasileira como parte de um “acordo mais amplo” em que pautas internas se misturam a interesses comerciais dos Estados Unidos.
O Brasil apresentou queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o tarifaço e aguarda resposta de Washington. Enquanto isso, as big techs seguem aproveitando o impasse para tentar redesenhar o marco regulatório que definirá a sua atuação na maior economia latino-americana.
O desfecho dessas discussões indicará até que ponto o governo brasileiro está disposto a flexibilizar a sua política de combate à desinformação em troca da retirada das tarifas impostas pelos EUA.