A Medida Provisória 1303/2025, que propõe o fim da isenção de Imposto de Renda para Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e debêntures incentivadas, já está afetando o mercado de renda fixa. Desde que o governo sinalizou a mudança, há cerca de dois meses, investidores passaram a segurar os papéis, enquanto companhias correm para lançar novas ofertas antes de uma possível tributação.
Pelo texto da MP, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas — hoje livres de IR para pessoas físicas — seriam taxados em 5%. Já as debêntures tradicionais passariam a ter alíquota única de 17,5%, em vez da tabela regressiva de 22,5% a 15%. A proposta mantém o benefício para títulos emitidos antes da vigência da nova regra.
Com a perspectiva de tributação apenas para novos papéis, a liquidez no mercado secundário encolheu. Dados da CR Data mostram que, em junho, as negociações recuaram 13% em CRIs, 8% em CRAs e 50% em debêntures em comparação com o mesmo mês de 2024. Em julho, a queda seguiu: o volume de debêntures negociadas até a última semana do mês foi 65% menor.
“Muitos preferem manter os títulos, pois os novos provavelmente sofrerão cobrança de imposto”, afirma Daniela Gamboa, head de crédito privado e imobiliário da SulAmérica Investimentos.
A menor oferta de papéis elevou os preços e reduziu os rendimentos. Nas debêntures incentivadas com classificação AAA, o spread mediano de crédito passou de 0,12 ponto percentual positivo em maio para 0,12 ponto negativo em julho — uma inversão inédita frente aos títulos públicos.
Para aproveitar o benefício pelo maior tempo possível, parte dos investidores alonga o prazo da carteira, trocando papéis curtos por vencimentos mais longos. Alexandre Coutinho, head de crédito do Pátria, evita a tática: “Quanto maior o prazo, maior a sensibilidade à marcação a mercado; preferimos ficar fora desse risco”.
O volume de emissões vinha em queda em 2025, reflexo de empresas capitalizadas e juros elevados. No segundo trimestre, as debêntures tradicionais e incentivadas recuaram 34% e 32%, respectivamente, segundo a Anbima. CRIs e CRAs também mostravam retração de 41,6% e 32,9% até julho.
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A MP, contudo, mudou o ânimo. Somente em julho entraram R$ 11,75 bilhões em CRAs pendentes de registro — 70% de tudo o que havia sido emitido no ano — puxados por uma oferta de R$ 8 bilhões estruturada pela securitizadora Virgo. Se todos chegarem ao mercado, o total de 2025 pode superar em 16% o montante de igual período de 2024, calcula Felipe Ribeiro, sócio do CR Data.
“Há uma busca por esses ativos como se fossem a última bolacha do pacote”, diz Ribeiro. Gestores de crédito privado preveem “corrida” de ofertas até dezembro, na tentativa de escapar da tributação prevista para 2026.
No mercado de CRIs, a reação é mais lenta devido à estruturação mais complexa. Ainda assim, grandes gestores se movimentam. A Kinea, que administra R$ 22 bilhões em fundos de dívida imobiliária, prepara novas emissões para os fundos KNUQ11 e KNHY11. “O segundo semestre traz uma oportunidade grande; o benefício fiscal ainda é forte”, afirma o CEO Marcio Verri.
Após um primeiro semestre com R$ 20,6 bilhões em emissões de cotas de fundos imobiliários — 25% abaixo do ano anterior — junho registrou R$ 7,6 bilhões, melhor resultado desde dezembro de 2021. Com mais fundos captando, o acesso a CRIs pode se ampliar além do investidor pessoa física.
A MP 1303/2025 ainda precisa do aval do Congresso. Até lá, a disputa por títulos que preservem a isenção deve seguir intensa, tanto entre quem já possui papéis quanto entre emissores que tentam garantir a última janela sem imposto.