São Paulo – Redes de comércio em todo o país estão ampliando o uso de inteligência artificial generativa no WhatsApp para atender clientes, impulsionar vendas e cortar despesas com pessoal. Os assistentes virtuais assumem desde a apresentação de produtos até o fechamento da compra, operação que até pouco tempo dependia de vendedores humanos.
A Biscoitê, cadeia de 83 lojas e 600 funcionários distribuídos por 14 estados e Distrito Federal, batizou de Maitê sua vendedora virtual. Alimentada por IA, ela responde em menos de um segundo, atende 24 horas por dia e jamais deixa perguntas sem retorno. A ex-vendedora Beatriz Nunes, 26, passou a “analista de SAC” e hoje treina o sistema, ajustando linguagem e corrigindo eventuais falhas.
O presidente da marca, Raul Matos, afirma que a companhia chegou a acumular 1.500 mensagens sem resposta em picos de procura, como no Natal, cenário que a IA eliminou.
Segundo empresas do setor, um agente virtual custa de um quinto a um décimo do que se gasta com um vendedor tradicional, pode atender vários consumidores simultaneamente e acessa estoque e histórico de compras em tempo real.
Para Conrado Leister, vice-presidente da Meta no Brasil, o antigo modelo de “pressione 1 ou 2” cede lugar a conversas com linguagem natural. Pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box de fevereiro mostra o WhatsApp instalado em 99% dos smartphones brasileiros, com 97% dos usuários ativos diariamente. A Meta lucra pela contratação de serviços na plataforma Business, não sobre as vendas efetuadas.
Leister cita estudo interno que indica preferência de 84% dos brasileiros por dialogar com marcas da mesma forma que conversam com amigos, via aplicativo. O país também lidera o envio global de mensagens de voz.
O presidente Frederico Trajano afirma que a próxima fase da transformação digital da rede será conduzida por IA “100% autônoma e multimodal”. A assistente Lu já está em fase de testes com milhares de usuários e promete recomendar, por exemplo, o televisor ideal para uma sala de 3 m × 4 m apenas com um comando de voz.
No conglomerado resultante da fusão de Arezzo e Soma, o diretor de tecnologia Maurício Bastos planeja tornar o WhatsApp um canal de vendas completo para calçados e bolsas até o fim do ano. Testes com cinco lojas da Arezzo mostraram que 15% dos pedidos ocorreram quando as unidades estavam fechadas. Ele ressalta que, se a resposta demorar mais de três minutos, a chance de conversão cai 70%.
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A rede de outlets Off Premium, controlada pelo grupo, adotou a consultora virtual Jaque. O volume diário de diálogos saltou de 40 para mais de 1.000, enquanto o resgate de carrinhos abandonados subiu de 0,5% para 13%, informa a coordenadora de e-commerce Maria Fernanda Schardong.
A Omnichat, parceira da Meta para soluções conversacionais, atende cerca de 300 empresas; 80 delas já utilizam “agentes autônomos” no WhatsApp, entre as quais Biscoitê, Mobly, Live!, Cassol e Grupo Veste. O presidente Maurício Trezub destaca que o serviço pode operar o dia inteiro ou apenas fora do horário comercial, sem risco de demissão ou perda de conhecimento.
O Sindicato dos Comerciários de São Paulo observa queda no número de operadores de caixa na capital, de 50 mil para 35 mil em quatro anos, movimento atribuído à automação. O presidente Ricardo Patah defende limites graduais para substituição de trabalhadores por autoatendimento e planeja estender a discussão às vendas digitais. Há cerca de 10 milhões de vendedores no Brasil, sendo 500 mil na cidade de São Paulo.
Na visão da Associação Brasileira de Telesserviços, que reúne empresas de call center, a IA complementa e não elimina totalmente a atividade humana. O vice-presidente Gustavo Faria lembra que o segmento emprega, há uma década, em torno de 1,4 milhão de pessoas e que consumidores ainda recorrem a atendentes para questões complexas.
Bastos, do Azzas 2154, acredita em evolução gradual: o digital já representa 25% das vendas do grupo, mas o contato presencial continuará relevante. “As lojas físicas não desapareceram com a internet”, enfatiza.