São Paulo – A italiana Giulia Baccosi, 31, aceitou por impulso, na véspera do Ano Novo de 2019, trabalhar como cozinheira a bordo do veleiro cargueiro Avontuur. O que seria uma travessia de três meses entre a Europa e a América Central transformou-se em 188 dias no mar, após o avanço da covid-19 fechar portos e fronteiras ao redor do mundo.
O Avontuur, escuna centenária de bandeira alemã, zarpou da Alemanha no início de janeiro de 2020 carregado com azeite de oliva e rum. A primeira parada ocorreu em Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, após 36 dias de navegação.
Pouco depois de deixar o arquipélago, a tripulação avistou um barco de pesca à deriva a 45 milhas náuticas de Gran Canária. Dezesseis migrantes, 11 homens e cinco mulheres, estavam sem água, comida ou combustível havia mais de dez dias. Eles foram acolhidos, alimentados e entregues à guarda-costeira espanhola.
Dias mais tarde, já no Atlântico, o capitão leu à tripulação um e-mail do armador informando sobre o fechamento de portos, aeroportos e fronteiras por causa do novo coronavírus. Sem perspectiva de desembarque, o navio seguiu rumo ao Caribe.
Em Guadalupe, funcionários portuários, de máscara, negaram autorização para atracação. Situação semelhante se repetiu em outros destinos previstos, como Honduras e México. A falta de suprimentos levou Baccosi a racionar café e a improvisar um fogão de baixa pressão construído com caixa de madeira, espuma e esteira de ioga.
Imagem: redir.folha.com.br
Para evitar um furacão, o veleiro subiu até a costa da Terra Nova, no Canadá, antes de rumar aos Açores. Em 20 de junho de 2020, após quatro meses e meio sem pisar em terra, a tripulação desembarcou em Horta, onde todos fizeram teste de covid-19.
O trecho final até Hamburgo foi concluído no fim de julho. Em 30 de julho de 2020, depois de 188 dias no mar, os 15 tripulantes atracaram e descarregaram 64 toneladas de azeite, café, cacau e rum.
Baccosi afirmou sentir-se transformada pela experiência, mas continuou a carreira em navios. Cinco anos depois, ela voltou a cozinhar no mar, desta vez nas proximidades da Groenlândia.