Grandes empresas de tecnologia, como Apple, Microsoft e Google, revisaram suas políticas de compensação de carbono e passaram a priorizar créditos gerados por projetos de restauração de áreas degradadas, em vez de iniciativas que apenas evitam o desmatamento. A mudança de estratégia, adotada nos últimos meses, alterou o perfil da demanda global e reduziu o interesse por projetos de conservação, inclusive no Brasil.
Um crédito de carbono representa a retirada de uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. No setor florestal, há duas principais formas de emissão:
• ARR (Afforestation, Reforestation and Revegetation) – plantio de espécies nativas em áreas já desmatadas, capaz de absorver CO2 direto do ar.
• REDD+ (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation) – proteção de florestas ameaçadas, calculando-se a quantidade de emissões evitadas.
O modelo REDD+ dominou o mercado por anos, mas relatos de superavaliação de créditos e conflitos com comunidades locais geraram questionamentos. “O risco reputacional ficou alto; qualquer comprador institucional pensa três vezes antes de entrar nesse negócio”, afirma Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto ClimaInfo.
Levantamento da pesquisadora Fernanda Valente, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra a virada:
• 2022 – 27 projetos ARR e 22 REDD+ em desenvolvimento ou validação
• 2023 – 28 ARR e 7 REDD+
• 2024 – 22 ARR e 2 REDD+
• Até abril de 2025 – 7 ARR e 2 REDD+
Em julho, o governo do Pará assinou a primeira concessão de restauração florestal à iniciativa privada, criando uma nova demanda. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) seria o financiador inicial, mas três meses depois ainda não havia liberado recursos.
O BNDES também firmou parceria com a Petrobras para restaurar 50 mil hectares na Amazônia e outra com a Re.green para recompor 15 mil hectares na Amazônia e na Mata Atlântica. Desde 2023, o banco reservou R$ 900 milhões em recursos não reembolsáveis para editais de restauração.
Imagem: redir.folha.com.br
Outra frente é a startup formada por Suzano, Itaú, Vale e outras duas multinacionais, que destinou R$ 55 milhões à recuperação de uma área no sul da Bahia.
A desenvolvedora Carbonext, que possui nove projetos REDD+, estuda ingressar no ARR. “Em 2024 o Brasil desmatou 1,4 milhão de hectares; se continuar assim, não alcançará a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030”, diz Jeronimo Roveda, diretor de relações institucionais.
A Systemica, ligada ao BTG Pactual, tradicional em REDD+, venceu a licitação de restauração do Pará e procura novos projetos. O CEO Munir Soares prevê que, apesar da preferência atual pelo ARR, o REDD+ deve voltar a crescer por ser “a solução de compensação mais barata”.
• Investimento por hectare – US$ 2 a US$ 10 em conservação; US$ 7.000 a US$ 10.000 em restauração.
• Preço do crédito – até US$ 12 no REDD+; de US$ 30 a US$ 70 no ARR, conforme o volume negociado.
Segundo Andrea Resende, gerente de investimentos da Impact Earth, os projetos de ARR se assemelham a obras de infraestrutura, demandando alto capital e, em geral, sem interferir em comunidades locais. Nos projetos de conservação mais valorizados, 70% da receita costuma permanecer com povos tradicionais e pequenos produtores.
A forte migração dos compradores para a restauração florestal redefine o mercado de créditos de carbono e pressiona desenvolvedores a diversificar portfólios, enquanto especialistas alertam para a necessidade de equilibrar restauração com a contenção do desmatamento.