São Paulo – Às vésperas da possível assinatura do tratado de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, o texto enfrenta novo obstáculo após a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, sinalizar adesão ao bloco de países contrários ao pacto, liderado pela França. A resistência pode postergar a formalização de um acordo negociado há mais de 20 anos e que pretende integrar um mercado de cerca de 720 milhões de consumidores.
O tema foi debatido na quarta-feira (17) no “triálogo” – reunião que reúne representantes do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia. O grupo fechou um texto que combina a proposta elaborada pela Comissão com salvaguardas aprovadas pelo Parlamento. O documento será submetido ao Conselho nesta quinta-feira (18).
É um compromisso firmado por países ou blocos para reduzir ou eliminar tarifas e barreiras que encarecem importações e exportações.
O diálogo teve início em 1999, na Cúpula Mercosul-UE no Rio de Janeiro. A primeira versão foi concluída em 2019, mas o texto foi reaberto e só recebeu aval técnico em dezembro de 2024.
• Para o Mercosul: extinção total ou gradual de tarifas em prazo de 4 a 15 anos – com exceção do setor automotivo – atingindo 91% das compras brasileiras de produtos europeus.
• Para a UE: redução imediata ou escalonada em 4 a 12 anos sobre 95% dos bens provenientes do bloco sul-americano.
• Produtos agroindustriais sensíveis ficam sujeitos a cotas, equivalentes a 3% das vendas brasileiras ao mercado europeu.
• O tratado abrange ainda serviços, investimentos, compras públicas, medidas sanitárias e propriedade intelectual.
O capítulo comercial, de competência exclusiva da União Europeia, precisa apenas do aval do Parlamento Europeu. No Mercosul, cada país deve submeter o texto a Executivo e Legislativo. Há possibilidade de ações judiciais na UE, caso parlamentares levem o tratado à Corte de Justiça, ou se parlamentos nacionais rejeitarem pontos do acordo.
Em 16 de dezembro, deputados europeus aprovaram mecanismos mais rígidos para atender principalmente à França. Bruxelas abrirá investigação sempre que:
• preço de produto sensível variar mais de 5% em relação à média dos três anos anteriores;
• volume importado dentro da cota subir além de 5%.
Itens como carne bovina, aves e açúcar concentram as preocupações. O monitoramento prometido será “quase em tempo real”.
Segundo o Ipea, o PIB brasileiro pode crescer 0,46% até 2040, diante de alta de 0,06% na UE e de 0,20% nos demais parceiros do Mercosul. O bloco sul-americano veria tarifas zeradas em 77% de seus produtos agropecuários vendidos à Europa – benefício relevante para carnes, frutas e vegetais. No Brasil, setores de máquinas, equipamentos elétricos, produtos farmacêuticos, têxteis e metalurgia tendem a enfrentar maior concorrência.
Imagem: redir.folha.com.br
Tarifas serão eliminadas em 15 anos para veículos a combustão, 18 anos para eletrificados e 25 anos para modelos a hidrogênio (com 6 anos de carência). Caso o aumento das importações europeias cause dano à indústria regional, o Brasil poderá reativar a tarifa de 35% por três anos, prorrogáveis por mais dois.
A UE eliminará gradualmente tarifas de 77% dos produtos agrícolas comprados do Mercosul, favorecendo café, frutas, pescados, crustáceos e óleos vegetais.
O acordo considera o Acordo de Paris elemento essencial da parceria. Quebras graves ou retirada de uma das partes podem levar à suspensão do tratado. A UE promete fundo de € 1,8 bilhão dentro do programa Global Gateway para apoiar transição verde e digital nos países do Mercosul.
Após a conclusão inicial, a política ambiental do governo Jair Bolsonaro gerou forte oposição europeia, travando o processo. Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, a resistência diminuiu, mas UE e Mercosul reabriram tratativas para ajustar cláusulas ambientais e regras de compras públicas.
Atualmente, a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul, atrás da China e à frente dos Estados Unidos, respondendo por 16,9% das trocas em 2023.