Aos 30 anos do Plano Real, o economista Armínio Fraga afirmou que o país não manteve a determinação necessária para aprofundar as reformas iniciadas na década de 1990. A avaliação foi feita no podcast Outliers, produzido pelo InfoMoney e apresentado por Clara Sodré e Fabiano Cintra.
Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos e presidente do Banco Central entre 1999 e 2002, declarou que a estratégia econômica lançada no governo Fernando Henrique Cardoso se manteve no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, mas depois foi abandonada. “O Brasil teve essa guinada de estratégia com o Fernando Henrique, que foi preservada pelo Lula no primeiro mandato. Depois saiu da rota e voltou a repetir modelos que já tinham dado errado”, resumiu.
Segundo o ex-presidente do BC, houve momentos em que quase 60% do crédito nacional estava nos bancos públicos, situação que comprometeu a eficiência na alocação de capital. Ele atribuiu o desvio de rota a “falta de perseverança, populismo, curto-prazismo e patrimonialismo”, lembrando que “o pêndulo pode até oscilar, mas não pode ser bola de demolição”.
Fraga recordou o período de 1999 a 2002, marcado por crises externas e pela transição para o governo Lula. “Foi muito estressante, mas com a colaboração da equipe econômica e depois do ministro Palocci conseguimos reduzir o pânico e mostrar que o Brasil podia se estabilizar”, afirmou.
No podcast, o economista detalhou a relação da Gávea Investimentos com o JP Morgan. A fatia da gestora foi vendida ao banco norte-americano em 2010 e recomprada em 2015. O objetivo inicial, explicou, era facilitar a sucessão e ampliar áreas como bolsa, crédito e investimentos imobiliários. “Funcionou conforme o combinado, mas percebi que não queria ser presidente de conselho de banco. Preferia estar na linha de frente, por isso recompramos a participação”, disse.
Após o retorno à independência, a Gávea manteve duas frentes principais: fundos multimercados e um fundo de participações focado em growth equity, que realizou 60 investimentos em 15 anos. A decisão de encerrar novas captações partiu dos sócios mais experientes. “Cada fundo que captávamos significava mais dez anos de responsabilidade; então, chega. Foi decisão não econômica”, explicou.
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Fraga compartilhou ainda hábitos pessoais, recomendando sono adequado, alimentação balanceada, exercícios e convivência familiar. Entre leituras recentes, citou “Our Dollar, Your Problem”, de Kenneth Rogoff, e “The Righteous Mind”, de Jonathan Haidt; também mencionou meditação e estudos sobre estoicismo.
Para ele, foco, credibilidade e honestidade intelectual são fundamentais. “Instituições não aguentam pequenos desvios ou bobagens”, comentou, acrescentando que padrões claros, competitividade saudável e disciplina aumentam produtividade e qualidade de vida.
Mesmo afastado do dia a dia operacional, o economista permanece ligado à Gávea, participando de comitês e decisões estratégicas. “Acompanho tudo de perto e estou satisfeito. É fascinante e se conecta ao meu interesse em entender tendências políticas e geopolíticas”, concluiu.