NOVA YORK – Após anos de críticas públicas às criptomoedas, os maiores bancos dos Estados Unidos preparam projetos para lançar suas próprias stablecoins e produtos vinculados a ativos digitais.
Executivos de JPMorgan Chase, Bank of America e Citi apresentaram, em reuniões com investidores e reguladores em Washington, esboços de um sistema de pagamentos baseado em blockchain que permitiria a clientes trocar dólares por stablecoins — moedas digitais lastreadas na moeda americana.
Jamie Dimon, presidente‐executivo do JPMorgan, chegou a comparar o bitcoin a uma “pedra de estimação” e defender seu banimento. Brian Moynihan, do Bank of America, classificou o setor como “ferramenta não rastreável para lavagem de dinheiro”, enquanto o comando do HSBC declarou não ter interesse em bitcoin. Hoje, porém, esses mesmos bancos avaliam como participar do mercado cripto.
A guinada coincide com o apoio declarado do presidente Donald Trump e de seus familiares às criptomoedas, além da disparada do bitcoin, que mais que dobrou em um ano e superou US$ 100 mil.
No modelo discutido, o cliente deposita dólares e recebe stablecoins equivalentes, que podem ser usadas para remessas internacionais ou pagamentos no exterior de forma simplificada. O dinheiro recebido pelos bancos é aplicado, por exigência legal, em títulos do Tesouro ou outros ativos de baixo risco. Os juros ficam com a instituição, e o cliente não recebe rendimento nem conta com seguro federal de depósitos.
Nove executivos envolvidos nos projetos, que pediram anonimato, afirmam que a adoção ampla de stablecoins pode encolher a base de depósitos tradicionais e limitar a oferta de crédito. O Federal Reserve já alertou para possíveis efeitos sobre financiamento residencial e comercial.
Mike Cagney, ex‐chefe da SoFi e hoje à frente da fintech Figure, avalia que “basta uma pequena fuga de depósitos para abalar os bancos”. Tim Spence, presidente do Fifth Third, minimiza: “A conta corrente do consumidor provavelmente está segura”.
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A Lei Genius, sancionada por Trump neste ano após aprovação bipartidária, autoriza bancos a emitir stablecoins desde que mantenham reservas integrais em dólares ou títulos públicos. A senadora democrata Kirsten Gillibrand elogiou a norma como “a próxima geração da inovação financeira”. Críticos apontam que filhos de Trump controlam a World Liberty Financial, emissora de stablecoin que pode se beneficiar da nova regulamentação.
Bancos decidiram apoiar a lei diante do avanço de rivais como Circle, Walmart e Amazon, que estudam moedas próprias. As instituições discutem criar uma stablecoin conjunta — ainda sem nome — e também desenvolvem versões individuais. Programas de recompensas semelhantes aos de cartões de crédito estão nos planos para atrair usuários. O lançamento é previsto para o final do ano.
Em teleconferência de resultados, Moynihan confirmou que o Bank of America “está se atualizando” sobre stablecoins. “Será um arranjo complexo”, disse, acrescentando que a meta é manter a experiência simples para o consumidor.
Nos bastidores, veteranos do setor recordam a era dos “bancos selvagens” do século XIX, quando instituições emitiam suas próprias cédulas, cenário marcado por fraudes e falências que só terminou com a criação da nota do Banco Nacional — precursora do dólar moderno. Para críticos, a corrida às stablecoins traz ecos desse passado.