Dentro de uma casa branca em uma rua tranquila de Burbank, na Califórnia, a youtuber Michelle Khare revisa a primeira versão do episódio mais arriscado de seu programa “Challenge Accepted”, canal que soma mais de 5 milhões de inscritos. Na gravação, ela reproduz a cena de “Missão: Impossível” em que Tom Cruise se prende a um avião militar C-130 durante a decolagem, sem paraquedas ou capacete.
Burbank, que abriga há décadas os estúdios da Warner Bros. e da Disney, tornou-se destino de uma nova leva de influenciadores. “Algo está acontecendo em Hollywood: uma disrupção ao estilo Vale do Silício”, afirmou o diretor-executivo do YouTube, Neal Mohan, ao inaugurar no ano passado um estúdio de 740 m² do criador Alan Chikin Chow na cidade. “Os criadores são a nova Hollywood.”
A proximidade com locações, figurinos e mão de obra especializada explica a migração. O produtor Dhar Mann opera um campus de mais de 11 mil m² na região e planeja expansão. Nos arredores também atuam os canais Rhett & Link, com quase 20 milhões de inscritos, e Smosh, voltado a esquetes de humor.
“Há uma grande concentração de talentos por aqui, enquanto muitas produções deixam Los Angeles”, diz Khare, que alugou figurinos da Warner e da Universal para suas gravações.
Lançado há 20 anos, o YouTube ultrapassou a Netflix em tempo de exibição nos Estados Unidos: respondeu por 13,1% da audiência de TV em agosto, contra 8,7% da rival, segundo a Nielsen. Estimativas da MoffettNathanson apontam receita de US$ 54 bilhões em 2024, com lucro operacional de cerca de US$ 8 bilhões.
Pela primeira vez, o consumo da plataforma ocorre principalmente em televisores. Todos os dias, 1 bilhão de horas de vídeo é assistido em telas de sala de estar. Para este público, o serviço introduziu miniaturas dinâmicas e ordenação de episódios, recursos descritos pela diretora de negócios Mary Ellen Coe como “inovações para o ambiente da TV”.
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O avanço incomoda concorrentes. O co-CEO da Netflix, Ted Sarandos, classifica a maior parte do conteúdo de criadores como “para matar tempo”, em contraste com séries e filmes produzidos profissionalmente. As duas empresas competem por publicidade e direitos esportivos: a Netflix exibirá partidas da NFL no Natal, enquanto o YouTube transmitiu o jogo de abertura da temporada 2025 em São Paulo.
Redes tradicionais também reagiram. Na semana passada, a NBCUniversal ameaçou retirar seus canais do YouTube TV por divergências sobre taxas. O impasse foi encerrado na quinta-feira (2) com um acordo plurianual.
Apesar do embate com a indústria, o YouTube busca reconhecimento: organizou neste ano um evento pré-Emmy; “Challenge Accepted” se qualificou, mas não foi indicado. Khare fechou patrocínio com a Red Bull, que cedeu o C-130 para a cena aérea e promoveu uma estreia com tapete vermelho em sua sede, em Santa Monica.
Depois da exibição, a criadora já trabalha no próximo projeto: correr sete maratonas em sete continentes em sete dias consecutivos, tudo registrado para seu canal. “Vai ser incrível cruzar a sétima linha de chegada”, afirma.