Empresas brasileiras de capital aberto acumulam aproximadamente US$ 45 bilhões (cerca de R$ 240 bilhões) em lucros ainda não repassados aos acionistas e estudam liberar esses valores até 2028 para que os principais sócios escapem do Imposto de Renda Mínimo previsto na reforma tributária em tramitação.
O montante consta de levantamento da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), que calcula que 60% da quantia pertence a investidores estrangeiros.
O texto aprovado pelo Congresso isenta de tributação os lucros apurados até 2025, desde que a distribuição seja aprovada até 31 de dezembro deste ano e o valor seja pago, creditado ou entregue até 2028. A regra, porém, conflita com a Lei das Sociedades Anônimas, que exige a quitação dos dividendos no mesmo ano da deliberação.
Com isso, surgiram três leituras jurídicas:
“As empresas vivem um momento de insegurança jurídica. Muitas preferem a postura mais conservadora, mas isso pode afetar câmbio e mercado de crédito”, afirma Pablo Cesário, presidente-executivo da Abrasca.
Diante da incerteza, companhias cogitam contrair empréstimos ou usar reservas para remunerar acionistas já em 2025. Caso grande parte do dinheiro seja remetida ao exterior, a Abrasca prevê pressão adicional sobre o dólar.
O atual nível dos juros torna, em alguns casos, mais vantajoso arcar com o imposto do que descapitalizar a empresa. Tributaristas indicam alternativas como reinvestir o lucro via aumento de capital ou convertê-lo em empréstimo do acionista, evitando saída imediata de recursos.
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O projeto de reforma do IR, que aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amplia a faixa de isenção e cria um tributo mínimo de até 10% para cerca de 150 mil contribuintes com renda superior a R$ 600 mil anuais. O principal foco são dividendos isentos desde 1996; pequenos investidores e entes públicos estão fora da nova cobrança.
Advogados discutem ainda se o limite de 2028 vale para não residentes. Parte entende que estrangeiros precisariam receber os dividendos até o fim deste ano; outra corrente defende que o prazo se aplica igualmente a eles.
Empresas com capital disperso correm para convocar assembleias, algumas até novembro, a fim de deliberar sobre lucros de 2025 antes do encerramento do ano. Há dúvidas sobre possíveis ajustes posteriores e risco de autuações.
“Os requisitos se chocam com a Lei das S.A.s e até com estatutos”, diz Joanna Rezende, sócia do escritório Peluso, Guaritá, Borges e Rezende Advogados. Para Cristina Camara, do SiqueiraCastro, a norma não pode retroagir para atingir lucros até 2025: “Estão tentando regular atos societários que fogem à competência da lei tributária”.
Enquanto o impasse não se resolve, companhias e acionistas calculam a melhor estratégia para cumprir as exigências sem comprometer liquidez nem enfrentar tributação adicional.