O avanço acelerado do crédito privado no Brasil tem dificultado a tarefa de economistas na hora de estimar o Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação. Dados do Banco Central mostram que o estoque de títulos corporativos e papéis securitizados alcançou R$ 2,25 trilhões, alta de 186% desde o fim de 2020. O montante já é 43% maior que a carteira de crédito livre destinada a pessoas jurídicas (PJ), que cresceu 45% no mesmo intervalo.
No Boletim Focus, as projeções mais otimistas para 2025 apontam expansão de 2,23% do PIB, enquanto a expectativa para o IPCA recuou, mas segue em 5,18%, acima do início do ano. A discrepância com o resultado observado recentemente tem levado especialistas a atribuir parte da surpresa positiva à “avalanche” de recursos vindos do mercado de capitais.
Somando também as linhas direcionadas, o crédito bancário total para empresas ainda supera em 13% o volume obtido via títulos. Contudo, a distância diminui rapidamente: em 2020, o crédito bancário era 125% maior; em 2023, a diferença caiu para 33,8%.
Demanda dos investidores sustenta emissões
O apetite por papéis corporativos foi impulsionado pela busca de rentabilidade mais elevada e, em alguns casos, pela isenção de Imposto de Renda. Fundos de renda fixa captaram R$ 319 bilhões líquidos nos últimos 18 meses, sendo mais de dois terços destinados a estratégias de crédito, segundo a Anbima. O estoque de debêntures nos portfólios desses fundos cresceu 240% desde 2020, somando R$ 639 bilhões em maio.
As pessoas físicas também ganharam protagonismo. Os investimentos diretos em debêntures atingiram R$ 127,13 bilhões ao fim de 2024, avanço de 147% sobre 2020. Nos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA), as aplicações cresceram 378% e 205%, respectivamente, alcançando R$ 204 bilhões.
FIDCs viram “queridinhos” dos gestores
Com a compressão dos spreads nas debêntures, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), voltados sobretudo a médias empresas via antecipação de recebíveis, passaram a atrair gestores em busca de retorno maior sem elevação expressiva do risco. Essa classe liderou as captações nos 12 meses até junho, com entradas líquidas de R$ 120,5 bilhões — R$ 1 bilhão acima dos fundos de renda fixa tradicionais. A participação direta de investidores pessoa física nesses veículos praticamente dobrou em 2024, alcançando R$ 23 bilhões.
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Segundo Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco, o crescimento do crédito privado foi “um motor importante” do desempenho econômico recente. Para Robson Gonçalves, professor da FGV, o direcionamento de recursos às empresas estimula produtividade ao financiar modernização e expansão dos negócios.
Carlos Lopes, economista do banco BV, aponta que a migração dos investidores para ativos de maior retorno ganhou tração após a Selic cair a 2% na pandemia e se transformou em “cultura”, ampliando o espaço para emissões corporativas mesmo com os juros hoje no maior patamar desde 2006. Ele avalia que esse movimento sustenta a atividade e exige do Banco Central um período prolongado de taxa básica elevada para reduzir o ritmo da economia.
Sinais de desaceleração à frente
Embora o crédito privado continue robusto, já há indícios de arrefecimento. A concessão bancária a empresas encolheu 2,5% em maio, descontados efeitos sazonais, enquanto o crédito às famílias recuou 3,9%. “O custo mais alto do dinheiro afeta principalmente as famílias e tende a esfriar o consumo, etapa necessária para trazer a inflação a patamares mais confortáveis”, observa Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
Com informações de NeoFeed