A discussão sobre mudança climática na COP30, realizada em Belém, tem colocado a inteligência artificial (IA) no centro das atenções como ferramenta capaz de acelerar ações ambientais e, ao mesmo tempo, como fonte de impactos que podem agravar a crise planetária.
Nesta semana, Unesco, União Internacional de Telecomunicações (UIT) e Anatel lançaram a AI Climate Academy, apresentada em um workshop para representantes de países amazônicos. Segundo o diplomata Pedro Ivo, negociador-chefe do Brasil para tecnologia na Convenção do Clima da ONU, a proposta é oferecer cursos presenciais em nações em desenvolvimento a partir do primeiro trimestre de 2026 e, posteriormente, produzir estudos sobre o tema.
A tecnologia passou a integrar formalmente a pauta das conferências do clima em 2023, na COP28, em Dubai. Na ocasião, os países reconheceram o potencial da IA para combater o aquecimento global, mas também registraram preocupações com consumo de energia, viés algorítmico e segurança de dados.
Para Guilherme Canela, diretor da Divisão de Inclusão e Políticas Digitais da Unesco, há um grupo que destaca oportunidades — como acelerar pesquisas científicas ou apoiar investigações jornalísticas — e outro que enfatiza riscos concretos, sobretudo o alto gasto de recursos naturais pelos datacenters.
Em julho, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) publicou um relatório técnico destinado a formuladores de políticas e profissionais, com foco em países mais vulneráveis ao aquecimento global. O documento cita aplicações de IA que já monitoram desmatamento, preveem eventos extremos e reduzem emissões, como a plataforma PrevisIA, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
O mesmo relatório alerta que o uso intensivo de água e energia pelos datacenters pode anular ganhos climáticos e destaca desigualdades no acesso à infraestrutura digital, além de riscos de uso malicioso da tecnologia para ampliar a exploração de combustíveis fósseis.
A UNFCCC recomenda a criação de um arcabouço regulatório dentro da convenção para assegurar transparência, justiça e responsabilidade no desenvolvimento de IA.
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Na terça-feira (11), segundo dia da COP30, a UNFCCC lançou nova edição de seu anuário sobre ações climáticas. O documento menciona uma ferramenta de IA que prevê monções na Índia e auxilia 38 milhões de agricultores a tomar decisões diante de riscos climáticos. Testes iniciais indicaram redução do endividamento rural e aumento de investimentos em culturas de maior valor.
O anuário também registra que, entre 2014 e 2024, investimentos globais em IA somaram cerca de US$ 250 bilhões. Apesar do volume, o órgão ressalta a falta de métricas internacionais para medir o uso de infraestrutura digital em iniciativas de clima.
Estudo da Unesco divulgado em junho estimou que o gasto anual de energia do ChatGPT equivale ao consumo de 3 milhões de pessoas na Etiópia. A entidade aponta que a demanda computacional da IA dobra a cada cem dias, elevando proporcionalmente o consumo energético.
Além dos impactos ambientais, especialistas alertam para o uso da IA na produção de notícias falsas. Guilherme Canela lembra que, durante o blecaute que afetou Espanha e Portugal em junho, circulou desinformação que culpava fontes renováveis pela falta de energia. Ele avalia que o tema ganhou nova dimensão por causa de três fatores: velocidade, volume e verossimilhança dos conteúdos gerados.
Com diferentes relatórios, iniciativas de capacitação e casos práticos, a COP30 expõe o duplo papel da inteligência artificial: aliada promissora para enfrentar a emergência climática e, simultaneamente, desafio a ser regulado para evitar novos danos ao planeta.