São Paulo – A renúncia fiscal de R$ 40 bilhões provocada pela isenção de Imposto de Renda sobre debêntures incentivadas, LCAs, LCIs, CRAs e CRIs ganhou um efeito colateral bilionário: para manter seus títulos atrativos, o Tesouro Nacional estaria pagando até R$ 240 bilhões adicionais em juros, segundo cálculo preliminar do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.
Desde 2018, o volume aplicado nesses papéis sem tributação avançou 271%, tornando-se concorrente direto dos títulos públicos. Nas últimas semanas, debêntures incentivadas de infraestrutura chegaram a oferecer remuneração inferior à das NTN-Bs, evidenciando demanda superior à dos títulos federais.
Para compensar a perda de apelo, o Tesouro eleva o prêmio pago aos investidores. Fraga estimou o impacto partindo da hipótese de que o governo precise aumentar metade da diferença líquida provocada pela isenção (equivalente a 7,5% dos juros). O resultado chega a R$ 240 bilhões anuais — valor próximo à metade dos atuais R$ 544 bilhões em gastos tributários projetados para 2025.
Fraga argumenta que o benefício “não faz sentido” porque amplia o estoque de títulos isentos e, ao mesmo tempo, agrava a situação fiscal. Ele frisa, contudo, que o cálculo envolve muitas variáveis e requer estudos mais detalhados.
Economistas apontam ainda caráter regressivo da isenção, concentrado em investidores de maior renda, além de distorções na alocação de recursos. Gabriel Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, explica que a política tributária desloca a demanda para papéis privados, reduzindo o interesse por títulos públicos.
Dados da Anbima mostram que, apenas em 2025, o estoque de títulos isentos cresceu R$ 173,1 bilhões. No mesmo período, o mercado contava com R$ 97 bilhões em debêntures incentivadas emitidas, enquanto o Tesouro colocou R$ 277 bilhões em NTN-Bs nos 12 meses anteriores.
A possibilidade de o Congresso elevar a alíquota da renda fixa convencional para 18% sem mexer na isenção dos incentivados — proposta ventilada na MP 1.303 — preocupou analistas. Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, avalia que tal medida aumentaria ainda mais o custo para o Tesouro vender títulos de prazo longo.
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Para Marcos Mendes, pesquisador do Insper, a manutenção de incentivos específicos contraria boas práticas de política pública. Ele ressalta que o governo “perde duas vezes”: arrecada menos e paga juros mais altos.
O avanço dos papéis isentos também é atribuído à redução do crédito subsidiado do BNDES nos últimos anos. “Sem o financiamento barato do banco público, as empresas recorreram com força ao mercado de dívida privada”, afirma Mendes.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren, acrescenta que a competição encurta o prazo médio da dívida federal. “Sem revisão das isenções, a emissão de títulos prefixados e indexados à inflação fica cada vez mais difícil”, diz.
A discussão sobre o fim das vantagens fiscais, defendida por parte dos economistas, ganhou fôlego em meio ao esforço do governo para conter a trajetória da dívida pública.