Estudos recentes em sistemas distribuídos mostram que alcançar uma ordenação perfeitamente justa de transações — conceito conhecido como receive-order fairness (ROF) — é impossível em redes públicas de blockchain. A conclusão deriva de análises que relacionam o problema ao paradoxo de Condorcet, fenômeno que gera ciclos de preferência e impede a definição de uma ordem única aceita por todos os nós.
Em aplicações de finanças descentralizadas (DeFi), a sequência em que as transações são executadas determina a validade e a lucratividade das operações. Aproveitando essa brecha, proponentes de bloco, validadores ou sequencers podem reordenar transações para obter maximal extractable value (MEV) por meio de práticas como frontrunning, backrunning e sandwiching.
O modelo ROF estabelece que, se a maioria dos nós recebe a transação A antes da transação B, o sistema deve executar A primeiro. Contudo, o paradoxo de Condorcet mostra que diferentes nós podem observar ordens conflitantes (A antes de B, B antes de C e C antes de A), gerando um ciclo (A B C A) que inviabiliza uma sequência única. Portanto, sem comunicação instantânea entre todos os participantes, obter ROF é teoricamente inalcançável.
O Hedera Hashgraph tenta aproximar o ideal de justiça atribuindo a cada transação um carimbo de tempo final baseado na mediana dos carimbos locais enviados pelos nós. Um experimento com cinco validadores (A, B, C, D e E) — em que E age maliciosamente — mostra que um único nó pode distorcer seus próprios horários, inverter a mediana e, consequentemente, trocar a posição de duas transações (tx₁ e tx₂), ainda que todos os nós honestos as tenham recebido na sequência correta. O episódio evidencia que o método de mediana não elimina a possibilidade de manipulação.
Diante da impossibilidade teórica, projetos como Aequitas introduzem o conceito de block-order fairness (BOF). Nesse modelo, se a maioria recebe a transação A antes da transação B, A deve aparecer no mesmo bloco ou em bloco anterior a B. Em situações de conflito, as transações são agrupadas em um único lote, mantendo uma ordem determinística interna para execução.
Embora garanta BOF, o Aequitas apresenta alta complexidade de comunicação e apenas liveness fraca: a entrega de uma transação pode demorar até que todo o ciclo Condorcet relacionado seja resolvido.
Imagem: cointelegraph.com
Para contornar essas limitações, o protocolo Themis adota três técnicas — batch unspooling, deferred ordering e garantias intra-bloco mais fortes — para manter BOF com menos trocas de mensagens. Na versão otimizada SNARK-Themis, provas criptográficas sucintas substituem grande parte da comunicação direta entre nós, fazendo o tráfego crescer de forma linear, e não quadrática, em relação ao número de participantes.
Ao detectar um ciclo, Themis identifica todas as transações envolvidas, agrupa-as em um strongly connected component (SCC) e continua processando novos envios enquanto a ordem interna do lote é finalizada, garantindo a continuidade do sistema.
As pesquisas indicam que, em redes descentralizadas sujeitas a atrasos de propagação, o ideal “primeiro a chegar, primeiro a ser executado” não pode ser assegurado. Protocolos como Aequitas e Themis optam por redefinir justiça de forma alinhada às limitações práticas, buscando minimizar a capacidade de reordenação sem depender de confiança em validadores individuais.