A ascensão de forças estruturais como inteligência artificial, mudanças demográficas e transição energética está redesenhando o fluxo de capitais globais e reduzindo o protagonismo do dólar, avaliou um grupo de gestores durante a XP Global Conference 2025.
O movimento ganhou impulso após o chamado “Liberation Day”, em 2 de abril, quando o ex-presidente norte-americano Donald Trump anunciou um amplo pacote de tarifas de importação. Desde então, mercados emergentes acumulam alta de cerca de 30% em dólar no ano e perto de 50% em 2025, segundo participantes do painel.
Para João Borges, head de fund of funds do BNP Paribas Asset Management, o ponto de inflexão foi a erosão gradual do papel dos Estados Unidos como principal imã de recursos internacionais. “Se estivéssemos reunidos no início de 2025, muitos apostariam que a volta de Trump manteria o dólar forte; erramos de novo”, afirmou, citando o impacto do maior custo de vida para o investidor médio americano.
Cristiano Castro, diretor de desenvolvimento de negócios da BlackRock Brasil, concordou que o epicentro das oportunidades migrou. Embora ainda veja espaço para ações americanas diante do ciclo de cortes de juros esperado pelo Federal Reserve sem recessão, a gestora se declara “mais construtiva” em emergentes.
A BlackRock lista cinco “megaforças” estruturais: inteligência artificial, futuro das finanças, transição para baixa emissão de carbono, demografia e redesenho das cadeias de produção. Nesse quadro, duas geografias se destacam:
A Ásia como bloco continua relevante, especialmente Coreia do Sul e Taiwan, impulsionadas por tecnologia e semicondutores. O Japão ganha tração com reformas corporativas e uso de IA para compensar a mão de obra envelhecida. Na Europa, a Espanha surge como hub de data centers, com valuations atraentes no setor financeiro.
Segundo Castro, correlações tradicionais entre classes de ativos se desmancharam. Ouro, ações, Bitcoin e dólar seguem trajetórias muitas vezes divergentes. “O modelo 60-40 perdeu força”, disse. A recomendação atual é algo próximo de 40% em renda variável, 30% em renda fixa e 30% em mercados privados — infraestrutura, crédito privado e private equity.
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A procura por ouro surpreendeu analistas, com governos e bancos centrais reforçando reservas e reduzindo exposição a Treasuries. Borges atribui parte do movimento à decisão dos EUA de congelar reservas russas após a invasão da Ucrânia, o que gerou cautela em relação ao dólar como reserva.
No universo cripto, o iBit, ETF de Bitcoin da BlackRock — representado no Brasil pelo EBIT39 — tornou-se o fundo de crescimento mais rápido da história dos ETFs globais, alcançando US$ 50 bilhões em 11 meses. A gestora sugere alocação entre 1% e 3% em Bitcoin, percentual que, segundo Castro, eleva o retorno sem grande aumento de volatilidade e melhora o índice de Sharpe dos portfólios.
A adoção institucional acelera: o endowment de Harvard ampliou sua posição em Bitcoin de US$ 120 milhões para mais de US$ 400 milhões. A movimentação de grandes fundos pressiona bancos centrais a tratar o tema com maior seriedade e reforça debates sobre sistemas de pagamento globais.
Para os gestores, digitalização, regulamentação de criptoativos e megatendências de longo prazo devem orientar a alocação de recursos nos próximos anos, enquanto o dólar perde parte de sua influência histórica.