A disputa entre fabricantes de automóveis ocidentais e concorrentes chinesas desencadeou uma corrida por prazos mais curtos de desenvolvimento de novos modelos, sem abrir mão da segurança.
Para reduzir custos e igualar a velocidade das empresas da China, a Ford firmou parceria com a Renault para produzir pequenos veículos elétricos na Europa. A montadora francesa conseguiu encurtar pela metade o tempo de criação de seus projetos, concluindo novos modelos em menos de dois anos.
A Volkswagen também acelerou processos: os veículos elétricos que fabrica na China levam agora 30% menos tempo para ficar prontos, ante o ciclo tradicional de pouco mais de quatro anos. A Nissan lançou no mercado chinês o sedã elétrico N7, que custa menos de US$ 20 mil e foi desenvolvido em cerca de dois anos em parceria com a Dongfeng; o carro começará a ser exportado no próximo ano.
Executivos globais afirmam que a velocidade é crucial diante dos avanços tecnológicos, da mudança no gosto do consumidor e das turbulências na cadeia de suprimentos provocadas por tensões geopolíticas. O diretor financeiro da Nissan, Jérémie Papin, classifica o ritmo mais ágil como “absolutamente essencial”, sobretudo para fabricantes com menor escala. Ele observa, contudo, que existe um período mínimo de cerca de 12 meses entre a etapa digital e a preparação física do veículo.
Para Laurence Noël, responsável pela área automotiva global da consultoria Capgemini, quem leva cinco anos para lançar um carro ao mercado “está morto” quando o produto chega às lojas.
Médias de 18 a 20 meses são padrão entre chinesas. Para se aproximar desse patamar, grupos tradicionais recorrem a projetos virtuais e testes digitais, mas atribuem o maior ganho à mudança de cultura organizacional — ser mais rápido e flexível.
Jim Baumbick, chefe da Ford na Europa, diz que marcas como BYD obtêm agilidade usando peças comuns em vários modelos; as grandes novidades ficam concentradas em software e recursos digitais.
O novo Twingo totalmente elétrico, previsto para 2026, foi o primeiro projeto da Renault a seguir o método criado em seu Centro Avançado de Desenvolvimento na China, em Xangai, que conta com 150 engenheiros. Aproximadamente 45% das peças vieram de fornecedores chineses, e equipes trabalharam simultaneamente em diferentes partes do carro enquanto a linha de montagem era preparada na Eslovênia.
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Quando a equipe decidiu trocar o desenho da maçaneta interna, a alteração foi discutida por WhatsApp entre países para evitar atrasos. Resultado: o Twingo ficou pronto em 21 meses, e o próximo modelo da plataforma, o Dacia Hipster, deverá ser concluído em 16 meses. “Precisamos de um impulso forte para sermos tão competitivos quanto os chineses na Europa”, afirma o presidente da Renault, François Provost.
A adoção de componentes prontos de fornecedores reduz a necessidade de testes extensos, mas provoca controvérsia entre montadoras que mantêm relações de longa data com redes de autopartes locais. Papin reconhece que é preciso “assumir mais riscos” para cortar prazos.
Nem todas as empresas conseguem se adaptar. Um consultor que atua com montadora japonesa observa que a cultura de “segurança em primeiro lugar” colide com a urgência imposta pelo desenvolvimento de software.
De acordo com pesquisa da AlixPartners, fabricantes chinesas testam durabilidade em média por 600 mil quilômetros, contra 3 milhões exigidos por grupos estrangeiros. Segundo o sócio da consultoria em Xangai Stephen Dyer, as empresas chinesas adotam hierarquia mais horizontal, arquitetura de veículos mais simples e estão dispostas a corrigir falhas via atualização remota pós-lançamento, enquanto concorrentes tradicionais preferem concluir todas as validações antes de colocar o carro na rua.
Dyer avalia que, em um setor cada vez mais centrado em software, lançar modelos com atraso pode significar colocar no mercado uma tecnologia já ultrapassada.