Depois de anos destinando bilhões de dólares à eletrificação, parte significativa da indústria automobilística retoma o foco em motores a combustão interna (ICE). Executivos de grandes grupos enxergam na mudança uma oportunidade de receita, enquanto analistas alertam para riscos competitivos, sobretudo diante do avanço chinês nos veículos elétricos.
Nos Estados Unidos, a demanda por carros elétricos perdeu fôlego após o presidente Donald Trump cancelar créditos fiscais para o setor e propor a revogação de regras de emissões. Nesse cenário, a Ford e a General Motors reforçaram seus programas a gasolina.
• O CEO da Ford, Jim Farley, classificou o movimento como “uma oportunidade de bilhões de dólares”.
• A GM destinou US$ 900 milhões a um novo V8 mais eficiente para caminhões e utilitários.
• A Stellantis ressuscitou o motor V8 Hemi em picapes Ram e no Dodge Charger.
• A Honda adiou por dois anos o investimento de US$ 11 bilhões numa fábrica de elétricos no Canadá.
• A Hyundai anunciou uma picape média a combustão para o mercado americano.
Apesar da queda recente no custo das baterias, os veículos elétricos seguem menos lucrativos. Em 2024, a divisão eletrificada da Ford registrou prejuízo operacional de US$ 5 bilhões, enquanto a área de motores a combustão gerou lucro de US$ 5,3 bilhões.
A consultoria AlixPartners cortou quase pela metade sua projeção para carros eletrificados nos EUA. Agora, a estimativa é de que eles cheguem a 7% das vendas em 2026, ante 68% para modelos a gasolina e 22% para híbridos. Para 2030, a participação dos eletrificados no país é calculada em 18%, bem abaixo dos 40% previstos para a Europa e dos 51% para a China.
Mesmo na Europa, onde os elétricos responderam por 20% dos emplacamentos em agosto, executivos pedem flexibilidade na proibição de motores a gasolina a partir de 2035, sugerindo espaço para híbridos. No Reino Unido, pressões semelhantes surgem.
Em sentido oposto, a China mantém o ritmo: as vendas de elétricos devem superar as de carros a gasolina pela primeira vez em base anual. O país já representa dois terços do mercado global de veículos elétricos e detém cerca de 70% da cadeia de baterias, do processamento de minérios à produção de componentes.
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• A perda de participação na China força marcas estrangeiras a buscarem maior volume nos EUA, avalia Mark Wakefield, da AlixPartners.
• Tesla e Porsche figuram entre as principais afetadas pela mudança regulatória americana; a montadora alemã previu impacto de € 1,8 bilhão no lucro anual para ampliar a linha a gasolina e híbrida.
• Joseph McCabe, da AutoForecast Solutions, afirma que “a morte do motor de combustão interna não ocorrerá em nossa vida”.
Nos Estados Unidos, a Toyota alcançou recorde de 7,4 milhões de veículos vendidos nos oito primeiros meses do ano, impulsionada pelos híbridos, que já representam 40% de seu volume. O estoque desses modelos no país era de apenas cinco dias em maio.
A China fabricou 18,6 milhões de carros a gasolina em 2024, dos quais mais de 4 milhões foram exportados, ante pico de 28,1 milhões em 2017. Mesmo com tarifas de 100% que barram marcas como a BYD nos EUA, montadoras chinesas avançam agressivamente na Europa.
“O mercado de carros elétricos cresce rápido e muda de perfil”, afirma Tanya Sinclair, da Electric Vehicles UK, para quem os adiamentos em modelos eletrificados são “decepcionantes”.
O CFO da GM, Paul Jacobson, resume a nova realidade: “A cauda do ICE está mais gorda e longa do que qualquer um imaginava”, disse em conferência recente, enquanto a companhia mantém investimentos paralelos em elétricos.