São Paulo – Reuniões presenciais, conversas no WhatsApp, encontros virtuais no Microsoft Teams e trocas de e-mails particulares formaram a base de um esquema que, segundo o Ministério Público de São Paulo, manipulou créditos de ICMS e movimentou valores bilionários. O centro das investigações é o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, então lotado na Diretoria de Fiscalização (Difis) da Secretaria da Fazenda paulista.
De acordo com a Promotoria, o servidor facilitava a preparação de arquivos digitais, aprovava ressarcimentos muito acima do devido e blindava as empresas de revisões posteriores. As suspeitas incluem a revenda desses créditos a terceiros de forma mais rápida e com descontos menores que os praticados no mercado.
A Fast Shop teria formalizado pagamentos por meio de contratos simulados e transferências bancárias destinadas à Smart Tax, companhia em nome de Kimio Mizukami da Silva, mãe de Silva Neto. Na Ultrafarma, afirma o MP, não há registro de contrato nem nota fiscal; os acertos teriam ocorrido “por fora”, possivelmente em criptomoedas ou por meio de empresas intermediárias. O auditor seria detentor de mais de R$ 100 milhões em bitcoins, estimam os investigadores.
A Fast Shop informou que analisa o teor do inquérito e segue colaborando com as autoridades. A Ultrafarma declarou, em manifestações anteriores, que coopera com as investigações. As defesas de Sidney Oliveira (Ultrafarma) e de Silva Neto contestam a legalidade das prisões temporárias e sustentam que não há elementos para mantê-las.
O caso começou após solicitação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul para rastrear empresas ligadas a Celso Éder Gonzaga de Araújo, suspeito de golpes bilionários ligados ao comércio de ouro. Ao analisar as companhias sediadas em São Paulo, promotores encontraram uma firma com capital de R$ 3 bilhões – dos quais R$ 2 bilhões aportados por Kimio, aposentada que havia declarado patrimônio de apenas R$ 411 mil em 2021. Dois anos depois, sua declaração alcançou quase R$ 2 bilhões, majoritariamente atribuídos a lucros da Smart Tax.
Até 2021, segundo o MP, a Smart Tax não tinha operações relevantes. A partir daí, passou a prestar “serviços” milionários à Fast Shop. Como Kimio não possui formação na área tributária, os promotores direcionaram a atenção ao verdadeiro operador: seu filho, Artur Gomes da Silva Neto, responsável dentro da Sefaz pelas autorizações de ressarcimento de ICMS.
Silva Neto orientava executivos de varejistas sobre códigos fiscais, montava a documentação e, dentro da Fazenda, acelerava a liberação dos créditos. A compensação ao auditor viria em forma de “honorários” pagos à empresa da mãe. Mensagens analisadas mostram que proprietários e diretores, como Sidney Oliveira (Ultrafarma) e Mário Otávio Gomes (Fast Shop), acompanhavam o passo a passo.
Para os promotores, o servidor se sentia seguro no cargo e acreditava ser imune a punições – o que explicaria, segundo eles, o “deslize” de declarar um patrimônio bilionário em nome da mãe.
Em nota, a Secretaria da Fazenda informou que as irregularidades remontam a 2021, antes da gestão Tarcísio de Freitas, e que já promoveu mudanças nos processos. Um procedimento administrativo disciplinar foi instaurado, e um grupo de trabalho revisará todos os pedidos de ressarcimento das empresas citadas.
O relatório do MP menciona indícios de que o método tenha sido replicado em outras companhias, como Allmix Distribuidora, Rede 28 Postos de Combustíveis e Oxxo. Nenhuma delas foi alvo direto da operação até o momento. Representantes da Allmix e do Grupo Nós (Oxxo) afirmam desconhecer detalhes da investigação, mas dizem estar à disposição da Justiça. A defesa da Rede 28 não foi localizada.
2013 – Artur e a mãe abrem a Smart Tax; pouco depois ele deixa o quadro societário.
Imagem: redir.folha.com.br
2021 – Objeto social da firma passa a incluir consultoria tributária; iniciam-se as comunicações informais com a Fast Shop; Kimio declara R$ 411 mil de patrimônio.
2022 – Auditor passa a preparar documentos para a Fast Shop; primeiros pagamentos à Smart Tax; Kimio começa a guardar grandes quantias em espécie.
2023 – Acordo prevê R$ 204,6 milhões em 11 parcelas à Smart Tax; Kimio declara R$ 2 bilhões, a maior parte em criptomoedas; negociações semelhantes avançam com Ultrafarma, Allmix, Rede 28 e Oxxo.
Início de 2024 – Reuniões continuam; e-mails mostram instruções para evitar questionamentos internos da Sefaz.
Dezembro de 2024 – Encontro de alinhamento entre Silva Neto e diretores da Fast Shop.
Primeiro semestre de 2025 – Quebras de sigilo consolidam provas; MP conclui que o esquema permanece ativo.
Julho de 2025 – Promotoria pede prisão temporária de Silva Neto, Sidney Oliveira e Mário Otávio Gomes.
Agosto de 2025 – Auditor e outro fiscal seguem presos; empresários são liberados dia 15, com fiança de R$ 25 milhões e uso de tornozeleira eletrônica. Na residência de Araújo, são apreendidos R$ 1,2 milhão e sacos de pedras preciosas, incluindo esmeraldas.
O Ministério Público avalia que as práticas investigadas configuram corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. As apurações continuam.