Brasília – A Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP) relata ter apresentado ao então presidente eleito Jair Bolsonaro (PL) denúncias de desvio de recursos, fraudes e outras irregularidades no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) durante o período de transição entre os governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro.
De acordo com registros da entidade, os peritos foram recebidos três vezes no gabinete de transição instalado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. O primeiro compromisso ocorreu em 12 de novembro de 2018 com o deputado Onyx Lorenzoni, responsável pelo gabinete naquele momento. Na ocasião, a ANMP expôs problemas de gestão no INSS, o impacto dessas falhas nas contas da Previdência e discutiu a reforma do sistema.
Um mês depois, em 11 de dezembro, Bolsonaro participou de uma reunião presencial com representantes da associação. Segundo relato publicado no site da ANMP naquele dia, o presidente eleito teria demonstrado surpresa com os números apresentados e reforçado a importância do trabalho dos peritos. Ainda em 11 de dezembro, o grupo conversou com o então futuro ministro da Cidadania, deputado Osmar Terra (PL-RS), e com integrantes do grupo temático da Previdência.
O senador Izalci Lucas (PL-DF), recém-eleito em 2018, articulou a aproximação entre os peritos e a equipe de Bolsonaro. Ele afirma ter sido procurado após a eleição com denúncias sobre irregularidades em benefícios como seguro-defeso e aposentadorias rurais, além de reivindicações da categoria. Questionado pela reportagem em diferentes momentos, Izalci disse não lembrar os nomes dos peritos que o abordaram.
A ANMP foi representada pelo então presidente Francisco Cardoso (atual vice-presidente), pelo então vice-presidente Luiz Argolo (hoje presidente) e pelo diretor sindical Samuel Abranques. Procurada, a associação preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Cardoso também integra o Conselho Federal de Medicina e, em 2021, defendeu o uso de ivermectina na CPI da Pandemia.
Izalci e Onyx Lorenzoni citam a Medida Provisória 871, editada em 17 de janeiro de 2019, como resposta inicial às denúncias. O texto instituiu, entre outros pontos, a exigência de autorização anual para descontos de associações em benefícios previdenciários. Durante a tramitação, o prazo passou a três anos a partir de 31 de dezembro de 2021; mais tarde, a contagem foi adiada para 31 de dezembro de 2022. Em 2022, a lei que criou o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital revogou a reavaliação periódica, sendo sancionada por Bolsonaro sem vetos.
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Onyx afirma não se recordar de queixas dos peritos sobre descontos associativos, mas confirma que o grupo levou preocupações sobre concessões indevidas de benefícios, fila de perícias e possibilidade de atendimento remoto.
O tema voltou ao debate durante a CPI mista que investiga irregularidades no INSS. Em sessão no dia 8, Izalci foi cobrado a detalhar o encontro de 2018 e respondeu que Bolsonaro foi o único presidente a adotar providências concretas. Em entrevistas na CNN Brasil, nos meses de maio e agosto, o senador reconheceu ter sido procurado pelos peritos, mas negou ter cometido prevaricação.
As fraudes em descontos de associações sobre benefícios do INSS vieram à luz em 2023, já sob a gestão Lula (PT), após investigações da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal. O escândalo resultou na saída do então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e alimentou uma disputa política entre governo e oposição sobre a responsabilidade pelo esquema.
A defesa de Jair Bolsonaro informou que o ex-presidente permanece incomunicável por determinação judicial. Osmar Terra não respondeu aos pedidos de entrevista.