Uma controvérsia entre a fintech Capital Consig e o governo de Mato Grosso interrompeu, por ao menos sete meses, o repasse de parcelas de empréstimos consignados de cerca de 13 mil servidores estaduais, lançando dúvidas sobre a cobrança retroativa dessas dívidas.
Em maio, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) recomendou a suspensão dos descontos em folha por 90 dias com base em indícios de práticas abusivas, fraudes na averbação e descumprimento das regras do convênio firmado com o Executivo. Em agosto, o prazo foi estendido por mais 120 dias, totalizando sete meses sem repasses à Capital Consig.
Criada em 2020, a Capital Consig declara possuir 68 mil clientes no país, dos quais 13 mil são servidores mato-grossenses titulares de 22 mil contratos de crédito consignado. A empresa classifica a decisão do TCE como “absurda” e afirma não ter tido direito a defesa prévia. Após auditoria interna, admite erros em 39 contratos — o equivalente a 0,3% do total — e diz ter restituído R$ 361.836,32, incluindo atualização monetária.
Segundo a Controladoria-Geral do Estado (CGE), a fintech adotou providências apenas depois de investigação da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) e devolveu valores sem a devida correção inflacionária. O Ministério Público de Mato Grosso aponta possibilidade de que as irregularidades tenham atingido mais da metade dos contratantes.
O governo estadual sustenta que decisões judiciais proíbem a Capital Consig de cobrar juros, lançar parcelas em atraso de forma cumulativa ou adotar medidas que prejudiquem os funcionários. O TCE, porém, ressalta que os contratos permanecem válidos até decisão judicial, administrativa ou renegociação individual.
Para o advogado Vinicius Zwarg, especialista em relações de consumo, a situação pode se tornar desfavorável aos servidores caso a suspensão seja revertida: “A dívida continua existindo; se o ato administrativo cair, o valor pode ser exigido”.
A negativação dos servidores seria juridicamente possível caso a fintech comprove regularidade dos contratos. Normalmente, empresas aguardam pouco mais de um mês de atraso antes de registrar o nome do devedor.
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O Sindicato dos Profissionais da Área Instrumental do Governo (Sinpaig), presidido por Antonio Wagner Nicácio, reuniu denúncias e as entregou ao Estado. Nicácio afirma que o produto ofertado seria um “cartão de crédito consignado” sem cartão físico ou fatura mensal, classificando a operação como fraudulenta. Ele cita relatório do Procon com 21 irregularidades atribuídas à fintech.
A Capital Consig reagiu com queixa-crime contra o dirigente sindical por calúnia e difamação, alegando tentativa de intimidação. A empresa diz ainda que o Procon se recusou a retirar anotações em seu sistema mesmo após decisões judiciais que comprovariam a solução das pendências.
A fintech também reclama de descumprimento de supostos mandados de segurança que obrigariam o Estado a retomar os descontos em folha durante a suspensão inicial de 90 dias. O governo nega a existência de decisão judicial que restabeleça os repasses.
Enquanto a disputa avança na Justiça e em órgãos de controle, os 13 mil servidores permanecem sem desconto salarial, mas sob a possibilidade de cobrança dos valores acumulados quando houver definição final sobre a legalidade dos contratos.