Brasília e Washington – Seis meses depois de o presidente Donald Trump anunciar, em 2 de abril, o chamado “Dia da Libertação” das tarifas, os prognósticos de colapso do comércio global não se confirmaram. Embora os Estados Unidos sintam alta de preços e perda de fôlego em setores específicos, a atividade mundial continua a se expandir.
No segundo trimestre de 2025, bens duráveis – categoria que inclui carros e eletrodomésticos – ficaram 3% mais caros em termos anuais, o maior avanço desde o início dos anos 1990, descontado o período da pandemia. Brinquedos, muitos vindos da China, sobem quase 5% ao ano. Cálculo da reportagem indica que as tarifas acrescentam 0,3 ponto percentual à inflação dos EUA.
Apesar da pressão sobre preços, o PIB americano cresceu 3,8% em ritmo anualizado de abril a junho, e o Federal Reserve de Atlanta espera resultado semelhante para o terceiro trimestre. O sentimento do consumidor em setembro, porém, estava 20% abaixo do nível de um ano antes.
Modelos que acompanhavam a política comercial previam tarifa média próxima de 30% em abril; hoje, a estimativa caiu para 18%. A alíquota ameaçada de 145% sobre produtos chineses ficou perto de 50%, e a taxa sobre importações sul-coreanas recuou de 25% para 15%. No caso do Lesoto, um tributo de 50% foi anunciado, mas não entrou em vigor.
Isenções suavizaram o impacto: quase metade das compras externas americanas ficou fora do tarifaço. Smartphones e computadores escaparam totalmente, enquanto a tarifa nominal de 50% sobre o Brasil caiu para cerca de 30% após quase 700 exceções. Para o Canadá, a cobrança declarada de 35% equivale a cerca de 6% quando consideradas as isenções do acordo EUA-México-Canadá (USMCA).
Até mesmo o setor farmacêutico, inicialmente alvo de tarifa de 100%, foi poupado: genéricos, que respondem por 90% dos remédios vendidos no país, ficaram de fora. Em 1º de outubro, a Casa Branca suspendeu integralmente a medida para retomar negociações.
Contra as projeções de economistas, parceiros comerciais evitaram contra-ataques de peso. A participação dos EUA nas importações globais caiu de 20% no início do século para cerca de 12%, reduzindo o poder de barganha de eventuais retaliações.
O Brasil, que destinava 26% das exportações aos EUA no início dos anos 2000, hoje envia 13%. No Sudeste Asiático, onde a dependência ainda é alta, as tarifas americanas rondam 20%, nivelando a disputa entre vizinhos e diminuindo o incentivo a represálias.
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A China compensou a queda nas vendas aos EUA com outros destinos. Entre junho e agosto, as exportações totais chinesas avançaram 6% em relação ao mesmo período de 2024, puxadas por alta de 20% para o Sudeste Asiático e de quase 10% para a Europa. Roupas e têxteis chineses cresceram 20% no mercado europeu no primeiro semestre.
Os choques tarifários impulsionaram novas alianças. Canadá e México intensificam laços antes da renegociação do USMCA prevista para 2026. Em 23 de setembro, a União Europeia assinou acordo com a Indonésia e se aproxima de um pacto com a Índia. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) atualizou seu tratado comercial com a China, que aumentou em mais de 60% os investimentos no Brasil no primeiro semestre.
Segundo o Budget Lab da Universidade Yale, a tarifa efetiva recolhida na alfândega americana é cerca de metade da alíquota oficial graças a brechas e antecipação de importações. Mesmo assim, o laboratório calcula perda anual de US$ 2.400 por família. As receitas tarifárias cresceram US$ 19 bilhões ao mês, quantia que a Casa Branca pretende usar para compensar setores prejudicados, como a agricultura.
Com os estoques comprados antes da vigência das tarifas perto do fim, analistas alertam que os preços podem subir de forma mais duradoura, pressionando o Federal Reserve a manter juros elevados.
A ofensiva americana estimula outros países a erguer defesas. O México planeja tarifa de 50% contra carros chineses, enquanto União Europeia e Canadá preparam medidas para conter o aço barato da China. Governos do Sudeste Asiático também discutem salvaguardas diante do aumento de importações chinesas.
Até o momento, o comércio global continua em expansão: a OCDE elevou em setembro a projeção de crescimento mundial para 3,2% em 2025, contra 2,9% três meses antes. A verdadeira prova para a economia internacional será o desenrolar dessas novas barreiras e a resposta de parceiros diante da persistência das tarifas americanas.