O Tesouro Nacional passou a ofertar volumes mínimos de NTN-B (Notas do Tesouro Nacional – Série B) nos leilões recentes para enfrentar a dificuldade de vender esses papéis, cujo rendimento é corrigido pelo IPCA e cujos prazos de vencimento são mais longos.
A mudança ocorre em meio ao crescimento acelerado das emissões de debêntures de infraestrutura, títulos privados que contam com isenção de Imposto de Renda (IR) para o investidor. A vantagem tributária tem deslocado a demanda do mercado, obrigando o governo a pagar prêmios maiores para atrair compradores dos seus papéis indexados à inflação.
Desde o fim de setembro, o Tesouro vem ofertando apenas 50 mil NTN-B por operação, bem abaixo dos lotes de 150 mil e 750 mil observados naquele mês. No jargão financeiro, o encolhimento é tratado como “cancelamento branco”, porque equivale quase à suspensão do leilão.
Técnicos do Ministério da Fazenda, que pediram anonimato, reconhecem que, sem a concorrência dos papéis privados isentos, as taxas das NTN-B estariam em níveis menores. Eles projetam a manutenção de uma “espiral negativa”, impulsionada pela multiplicação de fundos de crédito focados em debêntures incentivadas, que reduz o spread pago por esses ativos e acirra a disputa com os títulos públicos.
Em 2024, o governo editou uma medida provisória para estabelecer alíquota de 5% sobre as debêntures de infraestrutura e criar uma taxa única de 17,5% para outros investimentos, como os títulos públicos. A proposta estimulou a antecipação de ofertas de debêntures na expectativa de perda do benefício em dezembro, aprofundando o problema do Tesouro. A MP perdeu validade na Câmara, e a isenção foi mantida.
Com a demanda retraída, as taxas das NTN-B subiram para níveis recordes. O papel com vencimento em 2029 já paga mais de 8% ao ano acima do IPCA, o maior juro fixo desde sua emissão, em 2023. Para o estrategista-chefe de macro e dívida pública da Warren Rena, Luis Felipe Vital, fatores externos melhoraram, mas o custo desses títulos ficou estagnado: o dólar caiu de R$ 6,30 em dezembro passado para R$ 5,50, enquanto a taxa da NTN-B permaneceu em 7,30%.
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Vital calcula que o Tesouro está emitindo hoje cerca de 130% do volume que vence, proporção superior à rolagem habitual de 100%. O objetivo é reforçar o colchão de liquidez para 2026, ano eleitoral. A estimativa é de que o governo chegue ao próximo ano com R$ 1,3 trilhão em caixa, o equivalente a oito meses e meio sem necessidade de novos leilões. Desde 2019, o Tesouro deixou de contar com repasses de lucros do Banco Central para esse colchão.
Para o ex-secretário do Tesouro Paulo Valle, a competição das debêntures isentas gera um subsídio custeado pelo próprio governo, que precisa oferecer juros mais altos do que seria necessário. Ele lembra que o Tesouro foi contrário à criação dessas debêntures, mas foi vencido nas discussões. A saída, segundo Valle, é usar o corte de lotes para não ficar “refém” do mercado.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga chamou de “barbeiragem” a manutenção dos incentivos, afirmando que não há justificativa econômica ou social para o benefício. Nas negociações da MP, o fim da isenção foi um dos primeiros pontos retirados do texto, evidenciando a força do setor.
Procurado, o Tesouro Nacional não se manifestou.