São Paulo – A quantidade de profissionais que atuam como pessoa jurídica (CNPJ) cresce rapidamente no Brasil e, na maioria das áreas, esses trabalhadores vêm recebendo remuneração superior à de empregados com carteira assinada em funções equivalentes.
Levantamento do economista Nelson Marconi, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Eaesp), indica que, em alguns casos, o rendimento dos chamados PJs chega a ser o dobro do pago aos contratados formais. O estudo utilizou dados da Pnad Contínua e comparou os ganhos tomando a média de cada profissão como base 1.
A pesquisa mostra que trabalhadores com maior escolaridade são os que mais se beneficiam financeiramente ao abrir empresas próprias. Mesmo em setores com menor exigência de qualificação, como construção civil e comércio, a renda dos autônomos com CNPJ supera a dos empregados registrados.
Para Marconi, o elevado custo de contratação formal — estimado em 68,1% acima do salário devido a encargos como FGTS, 13º salário, férias e INSS — cria um “trade-off”: o trabalhador ganha mais, mas perde direitos; a empresa economiza, porém lida com maior rotatividade e menor vínculo.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) suspeita que parte dessa expansão decorra de pressão de empregadores. Entre 2022 e 2024, 4,8 milhões de trabalhadores demitidos retornaram ao mercado como pessoas jurídicas — 3,8 milhões como microempreendedor individual (MEI) e 1 milhão em outras modalidades do Simples. O acompanhamento foi feito a partir do CPF dos profissionais.
De acordo com a coordenadora-geral de Fiscalização do Trabalho, Dercylete Loureiro, “há muitos casos em que a pessoa só abre CNPJ para manter o emprego”. A pasta defende a observância dos limites legais da terceirização definidos na reforma trabalhista de 2017.
A migração reduziu a contribuição de empresas e empregados. Apenas esses 4,8 milhões de profissionais deixaram de recolher R$ 61,4 bilhões ao INSS e R$ 24,2 bilhões ao FGTS no período analisado.
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Outro estudo da Eaesp aponta que a arrecadação média anual gerada por PJs enquadrados em MEI ou Simples foi de R$ 4,1 mil ao fim de 2023, contra R$ 33,1 mil por empregado formal. Caso todas as contratações após a reforma de 2017 fossem com carteira assinada, o Estado teria obtido R$ 144 bilhões adicionais.
Entre 2020 e março deste ano, a Justiça do Trabalho recebeu 1,2 milhão de ações reivindicando vínculo empregatício, o que representa 8,3% do total de processos. Em abril, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu todos os casos que discutem a legalidade da contratação de autônomos ou PJs e marcou audiência pública para 10 de setembro, com objetivo de avaliar os efeitos da pejotização sobre a arrecadação.
Para o professor José Pastore, da FEA-USP, existe “uma grande faixa cinzenta” de atividades que podem ser exercidas tanto por autônomos quanto por empregados registrados. Ele defende a possibilidade de contratar PJs, mas critica o baixo valor recolhido à Previdência, citando o MEI, que paga mensalmente entre R$ 76,90 e R$ 81,90 em tributos (INSS, ICMS e ISS).
A discussão sobre os limites da pejotização e seus efeitos fiscais segue no centro do debate trabalhista e deve ganhar novos capítulos após a audiência marcada no Supremo.