Dez anos depois de o Plano Diretor de 2014 incentivar a criação de cafés, farmácias e outros serviços no térreo de edifícios próximos a metrô e corredores de ônibus, as chamadas fachadas ativas viraram problema para o mercado imobiliário paulistano. Levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) indica taxa de vacância de até 80% em alguns dos eixos mais valorizados da capital.
Dados da consultoria CBRE apontam cenário semelhante: no Ibirapuera, na zona sul, 70% dos espaços estão vazios; na avenida Rebouças, o índice chega a 64%.
A avaliação incorreta dos imóveis é citada como principal motivo do fracasso. Segundo Avraham Dichi, presidente da plataforma de leilões Bayit, muitos empreendedores continuam a precificar as lojas pelo metro quadrado residencial, embora a rentabilidade dependa da receita gerada pelo varejo.
Em um leilão promovido pela Bayit, cinco unidades ofertadas a cerca de R$ 8.000 por metro quadrado não receberam lances, mesmo registrando mais de 1.600 visualizações cada. No mesmo período, um apartamento da mesma construtora atraiu 50 propostas e foi vendido por R$ 3,5 milhões.
Para reduzir estoques, a empresa negocia leilões estruturados já no lançamento dos empreendimentos e prepara uma “Black Friday das fachadas ativas”, com valores iniciais a partir de R$ 4.500 por metro quadrado em bairros como Morumbi e Freguesia do Ó.
Outro obstáculo é o desenho dos espaços. Embora a legislação permita de 20% a 50% de área adicional sem cobrança de outorga, especialistas afirmam que muitos térreos foram tratados como sobra de projeto, resultando em pé-direito baixo, falta de área para carga e descarga e ausência de infraestrutura para restaurantes.
A norma municipal ainda impede lojas com segundo andar e limita vagas de garagem, o que dificulta a instalação de supermercados e farmácias — usos que costumam atrair fluxo constante de clientes.
Como as fachadas ativas fazem parte do mesmo condomínio dos prédios residenciais, lojistas acabam arcando com despesas que não têm relação direta com o comércio, como manutenção de jardins ou segurança, elevando o custo operacional.
Imagem: redir.folha.com.br
Para Ricardo Zylberman, diretor operacional da Magik LZ Empreendimentos Imobiliários, que mantém dezenas de lojas sem vacância, o sucesso depende de infraestrutura robusta e de um mix de varejo planejado. Ele destaca a importância de reforço estrutural do piso, entrada de energia compatível com diferentes atividades e dutos de exaustão já instalados para operações de alimentação.
Em painel realizado em São Paulo, incorporadores, arquitetos e gestores de investimento concluíram que as fachadas ativas “vieram para ficar”, mas dependem de projeto, governança e operação bem estruturados. Júlia Botelho, sócia da Matchpoint Real Estate, lembra que o térreo não pode ser tratado como espaço acessório, pois representa ativo estratégico para fundos e investidores.
Ela vê oportunidades em projetos de retrofit, especialmente no centro da cidade, onde térreos amplos de edifícios antigos podem ser reabertos ao público com intervenções simples para abrigar conveniências, coworkings, academias ou serviços compartilhados.
Para Rafael Daher Sevieri, fundador da Vinx Incorporadora, empreendimentos que preveem fachada ativa apenas pelo benefício construtivo tendem a enfrentar problemas de comercialização. Projetos alinhados ao perfil do público local, diz ele, têm maior chance de sucesso.
Especialistas concordam que, sem o correto entendimento de que a loja depende do movimento da região — e não apenas dos moradores do prédio —, a fachada ativa seguirá com alta vacância e impacto negativo para a cidade.